Um prédio de quatro andares no bairro de Itaquera, na zona leste da capital paulista, será o lar definitivo de 12 famílias que deixaram a Favela do Moinho rumo a uma nova realidade, longe de um ambiente insalubre e precário. As mudanças para o novo endereço, que começaram na última quinta (29/5) e terminaram nesta quarta-feira (4/6), eram aguardadas com ansiedade. “Eu não tenho nem palavras para explicar o que estou sentindo, porque eu já chorei tanto”, disse Stephane de Jesus, de 23 anos, primeira moradora a chegar no condomínio.
A jovem, que foi para o Moinho com a família aos dois anos de idade, enxergou a mudança como uma oportunidade de recomeço. “Eu não critico a comunidade, porque eu cresci la, mas surgiu essa oportunidade e, para mim, foi ótima, eu agradeci muito”, contou. Ela irá morar no apartamento com o filho, de 6 anos, e o marido. Além disso, será vizinha de sua irmã Caroline de Jesus, de 27 anos, que mudou para o mesmo empreendimento e também ficou satisfeita com a saída do Moinho. “Eu tinha vontade de sair, principalmente por conta das crianças. Eu me sinto realizada, eles vão crescer em outra realidade", avaliou Caroline, demonstrando preocupação com o futuro das crianças. "Tem algumas coisas que ficam muito acessíveis lá, então para eles vai ser boa essa mudança”, explicou a irmã mais velha, que vai morar com o filho de seis e meses e a filha de 10 anos.
Os apartamentos estão localizados em um bairro com infraestrutura ampla e necessária ao desenvolvimento familiar, próximos a comércios, equipamentos públicos e à rede de transporte coletivo, o que agradou a família. “Eu já conhecia o entorno. Descendo essa rua, chegamos na estação de metrô, é uma facilidade. Também tem mercado e lugares para comer aqui, tudo perto. De estrutura, o bairro é ótimo”, avaliou Stephane.
As irmãs se mudaram para o Moinho com a mãe e mais sete irmãos no começo dos anos 2000 e, de lá para cá, conviveram com histórico de incêndios. “Passar por tudo aquilo foi meio desesperador. No incêndio de 2012, a gente perdeu tudo, saímos sem nada”, relembra Caroline. Este não foi o único enfrentado pela família. A casa de um parente próximo, conforme relatou Stephane, também pegou fogo. “Esses dias teve um incêndio na casa do meu cunhado. Na verdade, foram dois. O primeiro conseguimos apagar e salvar, agora o segundo não teve mais como. Ele perdeu os móveis”, contou.
Outra situação relatada pelas ex-moradoras do Moinho era a convivência com animais peçonhentos. “Tinha bastante rato. Se você cozinhasse, tinha que colocar dentro da geladeira. Não podia deixar no fogão, porque eles vinham e tomavam conta mesmo. Uma vizinha, inclusiva, morreu por leptospirose”, conta Stephane. Em dias de chuva, os moradores da comunidade também não conseguiam transitar com tranquilidade devido às condições do local. “Quando chove, se você tem um evento, é melhor levar a roupa e se arrumar no lugar. Não tem como você sair arrumada, porque tem esgoto, tem lama, então até chegar lá na frente, você já se sujou”, diz.
Quem também ficou feliz com a mudança foi dona Maria das Graças, de 70 anos, que veio de Aracaju para São Paulo e morou durante sete anos na Favela do Moinho. “A sensação é ótima. Agora eu estou aqui no meu cantinho. Agradeço o tempo que vivi lá, mas não era meu, não tinha essa garantia. Eu sabia que qualquer dia eu ia ter que sair e chegou a hora. Deus tocou no coração de ganharmos o apartamento gratuitamente e só vamos pagar o consumo, então, para mim, foi ótimo”, celebrou.
Nos anos em que viveu no Moinho, dona Maria também testemunhou incêndios. “Bem perto da minha casa, nós vimos chamas pelo fundo. Eu fiquei muito espantada. Depois disso, qualquer cheiro que eu sentia, já pegava a minha bolsa com os meus documentos e corria. O último incêndio foi esse ano ainda e, com um mês, teve outro na frente. O Corpo de Bombeiro teve que vir. As pessoas tiveram que subir lá em casa para jogar água”, conta a aposentada, enquanto relata que a rotina de medo agora fica para trás. “Daqui para frente, a vida é nova, porque eu estou em um lugar novo. Pretendo não me mudar mais daqui, ficar no meu cantinho sossegada, deixar tudo do meu jeito”, comemorou.
Cerca de 32% das famílias já se mudaram da Favela do Moinho
Pouco mais de um mês após o início das mudanças, 292 famílias já deixaram a Favela do Moinho, o que significa 33% do total. O plano de reassentamento iniciado pelo Governo do Estado de São Paulo, tem adesão de quase 90% dos moradores da área, ou seja, das 855 famílias, 789 optaram pela mudança. O projeto, que vai viabilizar moradias avaliadas em até R$ 250 mil a moradores da comunidade, é uma ação para levar dignidade e segurança a essa população, que vive sob risco elevado e em condições insalubres.
As famílias puderam optar por apartamentos oferecidos em um leque de 25 empreendimentos, em diferentes estágios: prontos, em construção ou com obras a iniciar. Outra possibilidade é buscarem imóveis por conta própria, desde que atendam aos parâmetros do programa.
Quem optar por uma moradia que ainda não está pronta recebe um caução de R$ 2,4 mil e, a partir do mês seguinte, um auxílio moradia de R$ 1,2 mil. A medida também se estende a moradores que já assinaram o contrato antes de a parceria ser firmada. No momento, aguarda-se a publicação de portaria do Ministério das Cidades para estabelecer o regramento da operação para o atendimento habitacional.
Diálogo com a Comunidade
Para chegar nesse estágio, a CDHU iniciou diálogo com a comunidade ainda no ano passado. A primeira reunião com lideranças ocorreu em setembro, quando foi pactuado que a Companhia faria o cadastro de toda a favela. A equipe social permaneceu em campo por 20 dias, incluindo datas aos fins de semana, período em que mapeou todas as moradias do moinho e as famílias que viviam nessas casas. Foram 13 reuniões coletivas, algumas com acompanhamento da Defensoria Pública, advogados destacados pela comunidade, Superintendência do Patrimônio da União e Prefeitura de São Paulo, além de lideranças da comunidade.
O passo seguinte foi a criação de um escritório na Rua Barão de Limeira, próximo à comunidade, para que as famílias pudessem, por conta própria, aderir ao reassentamento oferecido pela CDHU. O endereço facilitou o acesso durante o processo de apresentar os empreendimentos disponíveis, receber a documentação necessária, além de ser um ponto de apoio para tirar eventuais dúvidas. Foram realizados mais de 2 mil atendimentos individuais.